Tonne de Andrade
Escrevedora e poesista
Poemas do livro Melodia libertina
2006
Quis fazer uma canção,
sete versos pra você
Pra poder te dizer
com todas as rimas
as coisas mais lindas
Mas eu não consegui rimar
teu nome com ‘eu te amo’
Para Kaider, 27/07/06
Vi e não senti
Vi o amor passar chorando no tempo
Vi o tempo passar correndo no vento
Vi o vento passar ventando no campo
Vi o campo florir ano após ano
Vi as flores murcharem ano após ano
Vi as flores caírem no rio
Vi o rio passar rindo pelo campo
Vi o rio levar as mágoas ao longo das estações
Vi as estações fecharem as feridas das mágoas
Vi as mágoas trazerem novas risadas
Ouvi as risadas virem no vento
Vi o vento trazer novos cheiros
Senti os cheiros de flores que nunca vi
A beleza das flores foi vencida pelo tempo
Vi o tempo passar por mim sem trazer o amor
Vi o amor passar chorando no tempo
Ou será que fui eu que passei o tempo chorando?
18/ 06/ 2006
Sonhos
Se for para revelar os meus sonhos mais íntimos,
contarei:
que sonho chegar à lua,
conhecer São Jorge e comer queijo lunar
Que sonho morar numa casa
toda de chocolate com açúcar
Que sonho falar a língua dos animais
e ouvir o som da terra
Que sonho nunca me separar de meus amigos,
e encontrar o meu príncipe encantado
E todos me dirão que são sonhos de criança,
responderei então que sonho ser criança
02/06/06
Meu amor, paremos agora com a pressa
O passo pode respirar
porque você está em casa
Aqui é seu lugar
Onde as paredes não revelam
seus segredos
e o silêncio é cantiga de ninar
Nossos pés não tocam o chão
O resto do mundo não cabe aqui
porque este é o nosso mundo
Na janela se o sol nasce é pra você
e o vento veio só pra te refrescar
Se uma rosa se abre no jardim,
menina, é pra te perfumar
Aqui o espelho não fala
com nenhuma outra voz
a não ser a sua
E se você fica nua
é pra amar
Menina, deita no tapete,
na cama, no sofá
Rola e se enrola comigo
até no teto vamos nos beijar
As portas estão abertas para nós
mas trancadas pros outros
Deixe que nos esqueçam,
desliga a TV e acende o abajur,
que sob a meia-luz é melhor
Para Lola, 15/05/06
Poemas do livro Melodia libertina
2005 / 2006
Me disseram (uma professora)
que a poesia tem que ter métrica,
Uma tal sílaba poética
Mas pra quê medir um verso?
A poesia é que é a régua
que marca palavra por centímetro
as coisas que sentimos…
06/04/06
Com minhas mãos moldarei teu corpo
Eva veio primeiro
e farei Adão da minha costela
para ser meu companheiro
03/04/06
Eu o observo e não compreendo:
Ele não sorri para mim, mas seu olhar sim
Seu sorriso é incerto, seu olhar certeiro
Seu sorriso problemático, seu olhar soluciona
Seu sorriso me morde, seu olhar me afaga
Seu sorriso me afasta, seu olhar me chama
Eu não paro de pensar
E de repente,
quando seus olhos se fixam em mim
sua boca beija outra
Seu sorriso está silencioso,
mas há muitas palavras em seu olhar
Mas se ele me diz ‘sim”,
seus olhos se desviam de mim
Seu sorriso me entedia, seu olhar me instiga
Nada em seu rosto está de acordo
e isso também amo
A fraqueza de seu sorriso
e a força de seu olhar
Seu sorriso que me prende ao chão
e seu olhar que me faz voar
21/03/06
Pacto de amor
Eu que fico o tempo todo me lembrando
das tuas mãos pelo meu corpo passeando
Me dê carinho, que estou precisando
não sejas mau, não me deixe esperando
Sinto tanta falta de mãos quentes assim
e essas mãos também sentem falta de mim
Não tema, não mordo (só se você quiser)
Juro ouvir tudo o que me disser
Mas terás um preço a pagar, ouça bem
Você a mim será fiel sempre também
e juntos faremos esse nosso pacto
Nos manteremos carinhosos, está feito
e você terá meu coração e meu peito
batendo felizes em suas mãos, perfeito
28/11/2005
Nossas mentiras
Quando você disse porque se atrasou
Quando eu disse que tudo bem
Quando você disse que eu tava magra
Quando eu disse que você era perfeito
Quando você disse que só pensava em mim
Quando eu disse que sonhei com você
Quando você disse que me ligava
Quando eu disse que eu pagava
Quando você disse que só me queria
Quando eu disse que era a primeira vez
Quando você disse que não se importava
Quando eu gemi
Sempre soubemos que eram mentiras
Quando dissemos “Não te quero mais”
Foi só mais uma mentira
17/10/2005
Poesia de minuto
Pare de correr por um minuto
Não pense por um minuto
Olhe o céu por um minuto
Só respire por um minuto
Sinta o vento nos teus cabelos
E cante essa música por um minuto
Um minuto pode decidir o jogo
Um minuto pode valer mais
Que uma vida
Dê um beijo por um minuto
Afinal, toda rapidinha tem seu…
17/10/2005
Poemas do livro Melodia libertina
2006
Minha vida foi um palco
de alegrias, dramaturgias,
de romances sórdidos
para o deleite da plateia
Dancei, cantei,
e foi assim
Nos braços de um galã
que amei
Cresci com minha estrela
brilhando
No camarim entre os espelhos
os jornais me diziam
que eu era a mais bela
Mas com o tempo,
as luzes do camarim
foram queimando,
se apagando
As rosas que jogavam no palco
murcharam
Os espelhos racharam
Meu figurino ficou mofado
e as cortinas se fecharam
E foi só quando me vi só
nos bastidores
que pela primeira vez
meu pranto não foi ensaiado
15/05/06
Meu corpo implora por poesia
Gosto de sentir em minha língua
as palavras doces dos poetas
Sejas tu então poeta,
para que eu sinta em minha língua
as palavras da língua do poeta
Se a poesia é amor,
escrever é fazer amor
Quero ser seu papel
Escreva sobre mim, sob mim,
suba em mim
As letras se entrelaçam
Na nossa história
não haverá fim jamais
As palavras são imortais
e nosso poema terminará
com … e nada mais
09/05/06
Falamos línguas diferentes,
mas todos entendem uma risada
Cremos em deuses diferentes,
mas sempre temos fé em algo
(ainda que só em nós mesmos)
Temos cores diferentes,
mas todas as lágrimas são transparentes
Uns gostam de homens,
outras de mulheres,
mas todos somos capazes de amar
04/05/06
Seu olhar é um ímã
mas não consigo te encarar
E tem algo nesse medo
que me dá mais vontade de olhar
04/05/06
Sempre que ando de salto alto,
eu caio
Sempre que arrumo o penteado,
bate uma ventania
Sempre que eu te olho,
você desvia
12/04/06
Poemas do livro Melodia libertina
2004 / 2005
Falsa gente de verdade
Cadê as mulheres?
Estão no salão fazendo o cabelo
Como se já veio feito?
Estão na clínica
Tornando-se bonecas
Plásticas como as Barbies
Perdem a idade, a identidade
A única marca é a das roupas caras
Uma falsa beleza
É comprada e implantada
E o que há por dentro?
Será nada?
Cadê os homens?
Estão na academia
Fazendo músculos
Tornando-se viris
Estão no escritório
Fazendo dinheiro
pra comprar uma Barbie
A masculinidade do homem
É comprada em qualquer farmácia,
malhada em qualquer academia
E cadê a gente de verdade?
Estão nas revistas
despindo sua perfeição
estão nas passarelas
desfilando seus corpos
caramente moldados
Eles são bonecos,
exemplos e desejo
sesses todos,
a falsa gente de verdade
22/09/2005
Rosa negra
I
Quando você me deixou
tudo o que me restou
foi uma semente de rosa
que desabrochou
nas feridas férteis
de meu coração
E um botão de rosa negra
se abriu em solidão
De espinhos ferinos cerquei-me
Eu não mais chorava
eu só sangrava
por dentro das mágoas em mim
Você me deixou
tão só, tão sozinha
Toda ferida
com meus espinhos
também magoei
Uma rosa negra me tornei,
tão amarga de seu amor
Uma rosa negra
é mulher ferida
Quando se ama, se dá rosas
Quando se vai, sobram rosas
Rosas, Paulas e Anas murchas
Marias, Claras e Joanas frias
II
Uma rosa negra
Nas campinas sussurrantes
Nas campinas urrantes
Um aroma de cemitério
Já fui uma rosa viva
O vermelho é o sangue
Faces brancas
como pétalas mortas
Hoje sou uma rosa negra
da cor da noite abafada
que abafa meus gritos
E as estrelas são o cintilar
das lágrimas em meus olhos
Meus olhos negros
de negras pupilas
que se dilatam com a escuridão
Rosácea,
negra.
Janeiro / 2005
O sol nasce
Depois se põe
Mais um dia
E mais te amo
Não te esqueço
Só me arrependo
Novembro/2004
Sem você
O que sobra?
Um eu que é
metade nós
E metade de nós
Não é nada
Novembro/2004