Tonne de Andrade
Escrevedora e poesista
Já não sei se ainda está chovendo
ou se ainda estou chorando
Veja as rosas do meu rosto ruborizadas
…
Quero quebrar a cara
no chão de concreto,
na poesia concreta
que se concretiza tão surreal
à frente de minhas mãos
que tentam escrever
e só rabiscam
Quero voar veloz como o pensamento,
esquecer depressa com o sentimento
Conhecer mil coisas ao mesmo tempo
Abrir minha boca
e beber um gole de vento
Sentir o sabor do suor,
do sangue e do pior
Poder dizer coisas novas
com as mesmas palavras
E no entanto, quase me mato
no mesmo tédio e vazio
de quem vive a buscar
algo que não sabe se existe
E tudo o que me motiva
é fazer o verso perfeito
Aquele que diga tudo o que me cala
Aquele que rasga o papel,
que rasga minha alma
Que com o cortante da minha voz muda,
fere e cicatriza
Amansar as feras na minha mente
e fazer aquele que não sente
querer voar comigo
além de todas as coisas sensatas,
os números e alegrias exatas
Eu paro à janela,
perco meu olhar tentando
Ver dentro de mim
buscando as palavras que digam
todas as coisas que nunca vi, senti
O sonho de todo poeta
é a cada instante se renovar
E eu, só fico aqui a rabiscar
gastando tinta e árvores,
soltando devaneios, amores,
dúvidas e temores
Gastando vida e tempo,
sonhos e loucuras
Sem desistir de alcançar
novos dizeres,
novos amores,
novos calares,
novos amares
Tentando achar o verso final,
o termo que me libertará
e enfim correr e pela janelar voar
e um mundo novo descobrir
pra além de onde o vento me levar,
Num doce devaneio me fazer sonhar
E como este poema eu não consigo findar
seu último verso serão três pontos,
que não são finais,
são infinitos
…
23/12/2006
Faz tanto tempo
Estou aqui faz tanto tempo
que nem sei mais ver as horas
no velho relógio que já parou
Não ouço mais aquele tic-tac
Aquele tic-tac
do meu coração
Estou aqui faz tanto tempo
O silêncio é tão ensurdecedor
Será que eles foram embora
ou será que estou surda?
Será que eu estou muda
ou todo mundo me ignora?
Estou aqui faz tanto tempo
Consumida por pensamentos
Já não sei se ainda está chovendo
ou se ainda estou chorando
Não sei se estou ouvindo vozes
ou se são meus pesadelos
Não sei se eu passei pelos dias
ou se foram os dias que me passaram
Não sei se estou aqui há uma eternidade
ou se há uma eternidade em cada minuto
Estou aqui faz tanto tempo
que já perdi a noção do tempo
e a noção de onde é aqui
Nem sei se ainda estou aqui
Composição em parceria com o Kaider – 2006
Tão Lola
Ela é só mais uma criança,
está tentando aprender
mas é difícil ter confiança
Amar é querer
E esse jeito louco de ser
tão Lola
Ei, garota, vamos brincar de viver
Você é uma princesa,
eu sou sua fada madrinha
Você é tão insegura
mas quero te fazer crer
que você é Lola
um jeito lindo de ser
Você tem um brilho
que ninguém pode ter
Você tem uma aura
que muda de cor
Você era ruiva, roxa
Agora é loira
Menina-camaleoa
Você tem que rir
no meio do turbilhão
porque garota você é um furacão
Você é Lola
Não é pra qualquer um
Deixe-se amar
que amar é viver
Ei, Lola, seja minha garota
Deixe-se ser essa coisa tão louca
que é ser Lola
Ninguém pode te imitar
Deixe eles dizerem o que quiserem
porque você é especial
Você tem um jeito que é só seu
E o seu natural
é ser assim, tão Lola
Tão Lola…
Para Lola, 18/12/2006
Rosa rosada, rosa risada
Eu vejo as rosas do teu jardim
Elas roseiam a minha manhã
As rosas da minha vida
Olha as rosas dos meus olhos
que desabrocham só pra te ver
As rosas dos meus lábios
que desabrocham pra sorrir pra você
Deixa eu roubar uma rosa do teu jardim
deixa a tua rosa se abrir só pra mim
Veja as rosas do meu rosto ruborizadas
quando não tenho coragem de te olhar
Inspirado na Casa das Rosas, 22/ 11/ 2006
Mãos brancas como a de fantasmas,
espectrais
Unhas vermelhas do sangue
que tiraram de alguém
Mãos que sempre tentam
o mundo inteiro abarcar
mas que sempre o deixam
escorrer por entre os dedos
Bocas que rezam e não têm fé
Bocas que beijam e não amam
Bocam que falam e não é verdade
Bocas que mordem e não têm força
Bocas que têm sede e fome
e nunca se saciam
Bocas que gritam
porque sentem dor!
10/11/2006
Quero que aches sensual
cada fio dos meus cabelos
Que tenhas o desejo animal
de tocar meus pelos
Quero que descubras a cada instante
um novo tom no meu olhar
Que tenhas o desejo atordoante
de o tempo todo me afagar
Quero sentir-te vibrante
provando em mim novidades
Te fazer me descobrir
Quero que sintas de longe
o meu cheiro estimulante
para abrir teu apetite
23/10/2006
Meio sem algo
que me torne
inteira
Embaixo de cada retalho
uma vida retalhada em vão
Sobre os mendigos deste país
Eles amam muito o céu deste país
é o único teto que possuem
Têm que amar muito esse solo pátrio
pra dormir nele todas as noites
17/10/2006
Por que não há um céu nesta noite?
Por que ele está sempre tão distante?
Por que ninguém ouve minha voz
nem por um instante?
Por que o som das lágrimas
é tão cortante?
Por que essa dor é tão constante?
Por que o olhar dele é dilacerante?
Por que o palpitar de meu coração
é tão gritante?
Por que não tê-lo é tão frustrante?
Por que esse desejo de me tornar
a amante?
Se ele soubesse que meu amor
é mais resistente que o diamante…
12/10/2006
Verdades
Pra mim as únicas cores verdadeiras
são as dos seus olhos quando me observa
Pra mim o único cheiro verdadeiro
é o que deixamos nos lençóis
Pra mim o único som verdadeiro
é o da tua voz dizendo que me ama
Pra mim o único toque verdadeiro
é o da minha pele na sua,
teus cabelos entre meus dedos,
meus cabelos entre seu dedo
Pra mim o único gosto verdadeiro
é o da tua boca na minha
E a única verdade absoluta,
irrefutável e indiscutível,
é a de que te amo
23/09/2006
Acho que com tanta terra
nesse mundo
não há nenhuma estrada
que seja a certa pra eu trilhar
E às vezes sinto
que não tenho forças nos pés
pra fazer meu próprio caminho
E se isso for verdade,
então terei que criar asas
e ir conquistar o céu
14/09/2006
Colcha de retalhos
Há lençóis, cobertores e edredons
recobrindo ruas, avenidas, viadutos
Formam uma cinzenta colcha de retalhos
Hasteamos esta bandeira no chão
A vergonha da nação
Embaixo de cada retalho
uma vida retalhada em vão
06/09/2006
E agora
tornei-me uma caixa de Pandora
da qual já saíram
todas as desgraças:
a fome de amor,
a sede de carinho
e o frio de quem não tem
quem lhe aqueça
E só resta uma esperança,
pequena como uma criança,
pronta pra se libertar de mim
05/09/2006
A verdade crua
é que só eu sei
como você sua
quando sob a luz da lua
fico totalmente nua
pra ser toda sua
e grito:
“Me possua!”
02/09/2006
Eu passei a tarde inteira
procurando nos meus sonhos
um lugar além de mim
em que eu ficasse segura
Um lugar além de mim
em que eu pudesse me encontrar
Então quando acordei
senti que nem dentro de mim
estou segura
Nem dentro de mim
posso me encontrar
E me sentindo tão só assim
já não sei mais o que procurar
Pois estou sem ponto de partida
e não vejo um ponto de chegada também
Setembro/2006
Acho que hoje
estou meio sem gosto
meio sem rumo
meio sem graça
De corpo,
estou inteira aqui
Mas minha alma
vai longe
Meio partida,
meio sem conserto
meio sem esperança
Hoje tô me sentindo
meio criança,
meio só,
meio boba
Meio sem algo
que me torne
inteira
29/08/06
Viver de poesia
é uma triste alegria
Saciando a sede em lágrimas
Matando a fome com versos
Respirando aquele que almejo
Sonhando com ele que desejo
Deito-me na janela, ao sol,
e escrevo minhas mágoas
Transformo essa quentura na alma
em palavras de fogo
E com o frio do teu corpo
congelar o sol (único que ainda me toca)
26/08/06