Tonne de Andrade
Formação: Mestra em História Social (Programa de Pós- Graduação - Universidade de São Paulo - USP / intercâmbio no Posgrado en Historia del Arte da Universidad Nacional Autónoma de México - UNAM)
Dissertação de mestrado: leia aqui
O império mexica e a província de Tlapa. Relações políticas e tributárias nos códices mesoamricanos (1461 - 1521)
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2516467765404519
História
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Surgimento da escrita na Antiguidade
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Todos os grupos humanos durante a Pré-História desenvolveram a fala, ou seja, a capacidade de comunicar o pensamento de forma compreensível para todo um grupo através de um conjunto de sons (palavras). Muitas espécies animais têm algum tipo de comunicação, por exemplo, o canto dos pássaros, o latido dos cachorros, o canto das baleias; porém por questões até mesmo biológicas, como o formato da garganta e das cordas vocais, a nossa espécie foi a única que conseguiu criar conjuntos tão complexos de sons, que são as palavras.
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A divisão e dispersão de muitos grupos nômades e semi-nômades originou línguas diferentes, e linguistas e historiadores conseguem estudar e detectar o parentesco de muitas dessas línguas, por exemplo, as que se originaram dos povos espalhados da Europa até o rio Indo são chamadas de línguas indo-européias, e é possível ainda hoje perceber palavras semelhantes nessas línguas.
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Porém nem todos os povos desenvolveram um sistema de escrita. A questão aqui é por quê? E os primeiros povos que desenvolveram um sistema de escrita foram os da Mesopotâmia e do Egito antigo. O que eles tinham em comum, e que possibilitou esse desenvolvimento?
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Dizemos que esses dois povos eram sociedades hidráulicas, ou seja, que desenvolveram suas grandes cidades em torno a grandes rios. As duas principais matérias-primas que a natureza nos fornece e que primeiro foram utilizadas para criar alimentos e riquezas foram a terra e os rios. Sem os grandes rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia, e o rio Nilo no Egito, aqueles povos não conseguiriam irrigar suas plantações.
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Mas a irrigação das plantações não era automática, a água dos rios precisava ser drenada e direcionada até as plantações, através de grandes e complexos sistemas de canais construídos de pedra ou tijolo. A necessidade de um planejamento científico e arquitetônico desses canais fez se desenvolver a matemática nessas sociedades. A necessidade de conhecer o ciclo das estações do ano para saber as datas certas de plantio e colheitas fez surgir a astronomia, que é o estudo dos astros, movimento de planetas e estrelas, através dos quais é possível determinar o calendário.
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E a partir de uma produção de alimentos e riquezas planejada e controlada tornou-se necessário mecanismos para organizar esse controle: era necessário registrar e contabilizar. É por isso que nessas sociedades, ainda mais antigos que as primeiras palavras e letras, são os números. Os primeiros textos que esses povos produziram eram em geral listas contabilizando a produção de alimentos e o pagamento de tributos.
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Na Mesopotâmia se desenvolveu a escrita cuneiforme, em formato de cunha – triângulo. Eles não chegaram a produzir papel, por isso escreviam em tabuinhas ou tabletes de argila mole e depois as deixavam secar ao sol, ou no forno para ficar mais resistentes. Esse sistema de escrita tinha mais de 700 símbolos que foram usados por mais de 15 línguas diferentes da região.
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No Egito se desenvolveu a escrita hieroglífica que usava símbolos, mas ao contrário do que muita gente pensa não era um sistema ideográfico (em que cada símbolo é uma palavra inteira ou conceito). Ou seja, onde está "desenhado" um pássaro não está escrito a palavra "pássaro", aquele símbolo representa um som. No sistema egípcio já começou a ser usado um sistema mais parecido com o alfabético, mas eles não possuíam representação para os sons das vogais, somente das consoantes. Isso causa um pouco de dificuldade nas traduções. Difícil de imaginar? Pense que hoje em dia os adolescentes na internet usam uma escrita mais ou menos assim: "Hj eu vou na festa, e vc tb vai?". Quem fala português sabe que "hj = hoje", "vc = você" e "tb = também", mas se alguém que não conhece português ler isso, não saberá quais vogais preenchem essas abreviações.
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A palavra hieróglifo vem do grego, e significa 'escrita sagrada' (hieros = sagrado e glifo = escrita). Isso porque essa escrita era usada para registrar os textos sagrados, geralmente gravados nas construções de pedra como palácios e templos. Além dos hieróglifos, os egípcios desenvolveram depois outros dois sistemas de escrita: o hierático e o demótico, mais simples e de uso mais cotidiano. Esses sistemas de escrita caíram em desuso conforme o Egito foi dominado por gregos e romanos, ainda na Antiguidade, e depois pelos árabes, já no século VII d.C., quando adotaram de vez tanto a língua quanto a escrita árabe. Assim, se tornaram um grande mistério. Somente no século XIX historiadores e estudiosos em geral conseguiram decifrar os hieróglifos e traduzir os antigos textos, a partir do estudo do francês Champollion sobre a Pedra de Roseta.
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Os egípcios antigos desenvolveram um tipo de papel feito a partir da planta papiro e além de escrever em pedra, escreviam em longas tiras desse papel que depois enrolavam. Tanto na Mesopotâmia quanto no Egito poucas pessoas sabiam ler e escrever, esses sábios eram chamados de escribas e eram membros da elite dos funcionários de Estado, que administravam os tributos e escreviam a História dos governantes, ou dos sacerdotes, que precisavam ler os textos sagrados.
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Atenção: não podemos confundir uma língua falada com sua forma de escrita, pois são coisas diferentes. Por exemplo, no Brasil falamos o português, que é falado em mais 7 países com diferenças de pronúncia nacionais; para escrever utilizamos o sistema alfabético latino, que é o mesmo utilizado para escrever outras línguas latinas e as línguas do norte da Europa. Ainda hoje existem muitas formas de escrita diferentes: sistemas alfabéticos, ou seja, em que cada letra/símbolo representa um som (fonema), como o alfabeto latino, o alfabeto grego, o alfabeto cirílico (russo), árabe e hebraico. E outras sociedades usam sistemas de escrita não-alfabética: os povos do Oriente da Ásia que têm sistemas ideográficos e silábicos, como os sistemas de escrita no Japão (katakana e hiragana) e na China.
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Outra coisa importante: um povo que não desenvolveu um sistema de escrita para registrar sua língua falada não é analfabeto! É ágrafo. Qual a diferença? Analfabeto é quem não sabe escrever, quem não conhece o sistema de escrita do seu povo. Ágrafo significa 'sem sistema de escrita'. Muitos povos, principalmente tribais (seja da América, África ou Ásia) não desenvolveram escrita no passado e hoje adotam o sistema de escrita que lhes foi imposto, por exemplo, no Brasil os povos indígenas adotaram o sistema de escrita latino para registrar seus idiomas. O fato de um povo ser ágrafo não significa que ele é inferior, ou menos evoluído, significa apenas que aquele povo não sentiu necessidade historicamente de registrar seu modo de vida pela escrita, desenvolvendo as tradições orais. Por exemplo, alguns povos africanos têm os chamados griôs, sábios que decoram de memória toda a história daquele povo.

Acima um estudo de como teria se desenvolvido o sistema de escrita cuneiforme.



Acima exemplos de tabuinhas com escrita cuneiforme. Abaixo, exemplos de escrita hieroglífica.




Acima sistema hieroglífico para os números.
Abaixo um estudo de como teria se desenvolvido os diferentes sistemas de escrita egípcios.


